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Piracicaba Nunca Esqueceu e eu também


Existem encontros que atravessam o tempo. Entrevistar Cecílio Elias Neto para o documentário Piracicaba Nunca Esqueceu foi um deles. E reencontrar Chico Andia em sua memória viva de projetor, poltrona e som foi outro. Cada um, à sua maneira, me ensinou que o cinema em Piracicaba nunca foi só sobre filmes. Foi, e ainda é, sobre a vida.

Esse projeto nasceu em mim antes mesmo de eu saber que ele era um projeto. Ele se formou com as histórias que eu ouvia desde criança, nas conversas em família, nos nomes dos cinemas que minha avó falava com os olhos brilhando, nos detalhes que meu tio contava com precisão de quem não esquece. A sala de cinema, para mim, nunca foi só um espaço de projeção. Era abrigo. Era festa. Era onde o mundo cabia dentro da cidade.

Quando me sentei diante do Cecílio, eu esperava uma conversa bonita. Mas o que recebi foi um mergulho. Ele me levou a um tempo onde as moças desfilavam em frente ao Politeama. Onde a saída do cinema era mais esperada que o próprio filme. Onde os meninos imitavam Tarzan nas árvores da rua. Ele me contou tudo com a delicadeza de quem respeita o passado, mas também com a coragem de quem não tem medo de rir dele. Rimos muito, da Ava Gardner, do lanterninha, do medo do fim do mundo em frente ao Cine Broadway. Eu saí de lá com a sensação de que tinha escutado a alma de Piracicaba.

Com Chico, foi diferente, e igualmente mágico. Seu amor pelo cinema é técnico, visceral, meticuloso. É o amor de quem montou e desmontou salas inteiras, de quem sabia o peso de um bom som, o valor de uma imagem bem focada. Ele reformou, reconstruiu, sonhou e até sobreviveu a um cinema que literalmente desmoronou. Me contou sobre o Cine Plaza, que ele mesmo construiu e perdeu. E mesmo com tudo isso, mesmo com a distância que o tempo impôs, ainda havia em seus olhos a memória viva de cada detalhe. Ouvir Chico foi como folhear um arquivo sensível, onde cada cartaz e cada bobina têm uma história para contar, e alguém para lembrar.

Essas entrevistas, mais do que depoimentos para um documentário, foram gestos de cuidado. De escuta. De afeto. São a prova viva de que o cinema de rua não desapareceu, ele migrou para a memória. Piracicaba Nunca Esqueceu é mais do que um filme. É um agradecimento. A todos que se apaixonaram na fila do cinema. Aos que se encantaram com Ava Gardner ou com o musical “Lili”. Aos que, como eu, continuam procurando no cinema um tipo de casa.

Meu papel como diretora é, antes de tudo, esse: ouvir. E depois transformar esse ouvir em algo que dure. Este documentário foi feito ao longo de mais de dez anos de pesquisa, perguntas e passos por ruas onde antes havia filas, fachadas iluminadas, pipoca e música. A cidade mudou, mas a saudade permanece, e ela é poderosa. Eu não tenho como agradecer o suficiente ao Cecílio, ao Chico, e a tantas outras pessoas que dividiram comigo suas lembranças. Mas posso garantir uma coisa: cada detalhe está aqui, cada fala está guardada, cada memória encontrou um lugar.

Porque, no fundo, o cinema é isso: um lugar onde a gente se reconhece. E se Piracicaba Nunca Esqueceu… eu também não vou esquecer.

Dara Oliver 

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