Levar a criançada para o cinema
- dara-2405
- 25 de ago.
- 2 min de leitura
Entre tantas vozes que encontrei ao longo do documentário Piracicaba Nunca Esqueceu, Dona Maria Laudelina Pereira Reis me tocou de uma forma muito especial. Foi uma conversa breve, mas cheia de sentimento, como uma sessão da tarde que deixa a gente com os olhos cheios e o coração tranquilo. Dona Maria não foi dona de cinema, nem exibidora, nem crítica. Mas ela fez, com amor e naturalidade, aquilo que torna o cinema eterno: ela o viveu, e compartilhou. E levou junto uma legião de crianças.
“Eu catava tudo as criançada do Bairro Alto e trazia pro cinema”, ela me contou, rindo, com o brilho no olhar de quem lembra de um tempo bom. E enquanto ela falava, eu quase podia ver aquelas tardes: a correria alegre pelas calçadas, a fila, os olhos atentos na tela do Rivoli. Para Dona Maria, cinema era compromisso de domingo. Era rotina cheia de festa. Era cuidar das crianças, mas também era espaço de prazer para si mesma, quando descia com as amigas para ver filmes de ação, enquanto os filhos assistiam Pica-Pau e Batman.
É isso que me emociona tanto nessas histórias. O cinema de rua, para muitos, não era luxo. Era comunidade. Era cultura acessível, presente, viva. Era um jeito de estar junto. Dona Maria falou muito disso: do quanto o cinema no centro fazia falta, principalmente para quem não tem carro, para quem depende de ônibus, para quem quer, mas não pode ou não consegue chegar ao shopping, que é distante. Ela me disse que hoje o cinema de rua acabou, e que muita coisa boa também acabou junto com ele, por causa da violência e das mudanças no tempo. “Hoje em dia a gente não pode fazer mais nada”, disse, com uma certa tristeza. E eu entendi. É sobre isso: espaços culturais que se apagam e deixam no lugar uma saudade que às vezes ninguém nomeia.
E ainda assim, Dona Maria guarda essa saudade com um sorriso. Ela me falou dos projetos sociais que já fez, dos cinemas de rua que montaram com telão no bairro, dos trabalhos com crianças e adolescentes. Fiquei admirada com sua dedicação. Fiquei encantada com sua memória. Com a leveza com que ela lida com o passado e com a clareza com que fala do presente. Quando perguntei o que significava ver um filme no cinema, ela respondeu simplesmente: “É muito gostoso. Muito bom.” E foi essa frase, dita com naturalidade, que me encantou.. Porque é exatamente isso. A beleza da experiência do cinema está nas pequenas coisas: no gostoso, no bom, no que dá vontade de repetir. E ouvir Dona Maria foi como ouvir todas as vozes que também fizeram parte da história do cinema em Piracicaba, não pelos holofotes, mas pela frequência, pela presença, pelo afeto.
Senti, ali, diante dela, o motivo mais profundo de eu ter criado esse documentário: registrar e respeitar essas memórias. Preservar o que ficou guardado no corpo das pessoas. Nas rotinas. Nas saudades. Dona Maria me recebeu com gentileza. Ela viveu o cinema com seus filhos. E ainda o carrega com amor.
Piracicaba nunca esqueceu. E eu também não vou esquecer da Dona Maria.
Dara Oliver



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