Lembranças em Cartaz
- dara-2405
- 18 de ago.
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Durante todo o processo de criação do documentário Piracicaba Nunca Esqueceu, um sentimento me acompanhou com constância: carinho Carinho por cada pessoa que se dispôs a sentar diante de mim e contar sua história com o cinema. Porque quando falamos de cinema, falamos da vida, dos encontros, das perdas, das emoções, dos rituais, das cidades que fomos.
Escutar Cecílio Elias Neto foi como assistir a um filme raro, daqueles que a gente precisa guardar com cuidado. Ele me falou dos cinemas de Piracicaba como quem descreve amigos de infância: com carinho, memória vívida e até uma pitada de humor. Falou do Cine Broadway no dia em que o mundo temia o fim após Hiroshima, das filas, das matinês com paletó, dos sustos e dos encantamentos. Ali, ficou claro para mim que preservar essas histórias não era apenas registrar: era resistir ao esquecimento.
Com Chico Andia, mergulhei no lado técnico e apaixonado do cinema. Ele construiu salas, reformou equipamentos, viveu o cinema nos bastidores. Sua dedicação era tão detalhista quanto comovente, dormia no chão da cabine para testar o som, se emocionava ao lembrar do Cine Plaza, que ele ajudou a criar e perdeu no desabamento. Falar com ele foi entender que por trás de cada projeção há alguém que acredita no poder da imagem.
Dona Maria Laudelina me levou para outro tipo de sala: aquela feita de comunidade. Ela me contou como “catava tudo as criançada” do Bairro Alto e levava para o cinema. Para ela, o cinema era acolhimento, rotina, cuidado coletivo. Falou com tristeza sobre a ausência de um cinema no centro e com alegria das sessões de rua que ajudou a organizar com projetos sociais. Sua fala era leve, mas cheia de urgência: “Cinema faz falta”. E, naquele instante, entendi ainda mais o porquê de eu estar fazendo esse filme.
Já com Luiz Andia Filho, meu pai, a conversa foi também um reencontro. Cresci ouvindo histórias de cinema em casa, mas gravar uma entrevista foi abrir as portas de uma memória familiar que também é parte da cidade. Ele me contou sobre as salas lotadas, as filas dobrando o quarteirão, os Trapalhões, o Star Wars, o som dolby estéreo, os cartazes de próximos lançamentos. Contou dos lanterninhas, da emoção de estar na cabine de projeção quando criança, e da mágica que era o Rivoli. Foi um mergulho íntimo e coletivo ao mesmo tempo, e talvez um dos momentos mais emocionantes da minha trajetória como diretora.
E então veio Tita Andia, com sua lembrança viva de vestidos rodados, penteadeiras, paqueras na saída do cinema. Me falou de sua juventude, das idas ao Broadway e ao Polytheama com as amigas, dos namoros escondidos no Colonial, do impacto de filmes como …E o Vento Levou. Ela me contou de um tempo em que o cinema era também cenário da sociabilidade, um espaço onde se vivia, se encontrava, se crescia. E, com doçura, falou também da solidão de hoje, de como o tempo mudou, e como ela se recolheu. Mesmo assim, seus olhos ainda se iluminavam ao lembrar do cinema.
Essas entrevistas me transformaram. Cada uma me ensinou algo sobre o cinema, mas mais do que isso, me ensinou sobre a cidade, sobre as pessoas, sobre o que permanece. Piracicaba Nunca Esqueceu é o nome do filme, mas também é uma promessa. Uma promessa de que essas vozes não ficarão em silêncio. De que os cinemas podem ter fechado, mas a experiência, essa ninguém tira. Porque enquanto houver memória, haverá projeção.
Dara Oliver


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