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Flertar na porta do cinema

  • dara-2405
  • há 8 minutos
  • 3 min de leitura

Reflexões sobre as entrevistas realizadas para o meu projeto Piracicaba Nunca Esqueceu.


Entrevistar a Tita foi como abrir uma caixa de recordações delicadas, daquelas que a gente guarda com cuidado num canto do coração. Tita, ou Maria Conceição Andia de Vilhena Moraes, me recebeu com uma generosidade acolhedora, e com ela veio um tempo inteiro, cheio de vestidos rodados, penteadeiras diante do espelho, filas de moças passando em frente ao cinema e rapazes observando em silêncio, flertando, como se dizia naquela época. Logo no início da entrevista, ela me contou sobre o filme que fez com o irmão, quando ainda era adolescente. “Eu era a atriz principal”, disse, com um riso encantado de quem lembra com carinho da cena diante da penteadeira. Aquela lembrança, simples e íntima, já anunciava o tom de tudo que viria depois: o cinema para ela não era só espetáculo, era convivência, era afeto, era o lugar da imaginação e da vida.

Ao falar sobre as salas de Piracicaba, Tita mergulhou no tempo do Broadway, do Polytheama, do Colonial e do Palácio/Rivoli. Era ali que vivia sua juventude. Ir ao cinema não era apenas assistir a um filme. Era sair, se arrumar, encontrar amigas, talvez um futuro amor. Ela me contou do namorado que correu para achar emprestada uma camisa de manga comprida, só para poder entrar na sessão e vê-la. E da vaidade com que se preparava para essas noites, saias rodadas, cabelo bem-feito, um cuidado que não era só estético, mas também ritualístico. Cada ida ao cinema era uma pequena celebração. Tita falou sobre os encontros, os primeiros namoros, as conversas, os filmes do Mazzaropi e os domingos de flerte. Era tudo vivido com intensidade, mesmo que parecesse singelo. E essa simplicidade carregava um tipo de beleza que, hoje, às vezes a gente esquece. O cinema era um espaço de pertencimento, à cidade, à juventude, a si mesma.

Mas também houve silêncio. Ela me contou com honestidade sobre a distância que foi se criando com o cinema com o passar do tempo. Os filhos pequenos, as mudanças de cidade, a viuvez, a solidão. Disse que, hoje, não sente mais vontade de ir ao cinema, e que talvez não voltasse mesmo que as salas de rua reabrissem. Porque a vida muda. E às vezes a gente se recolhe. E tudo bem. Há força também nessa vulnerabilidade. Mesmo assim, ao lembrar de filmes como …E o Vento Levou, os olhos dela brilharam. Disse que assistiu mais de dez vezes. Que ainda se emociona. E foi nesse instante que compreendi que o cinema permanece, mesmo que não seja mais hábito. Ele vive nas memórias. Nas cenas guardadas. Nas sensações.

Falar com Tita foi escutar a Piracicaba de um tempo romântico, em que os cinemas eram marcos da cidade e do afeto. Foi entender como a história cultural de uma cidade se entrelaça com as histórias íntimas de quem a habita. E foi, também, um lembrete: o cinema que queremos preservar com Piracicaba Nunca Esqueceu não está apenas nos prédios antigos. Está nas pessoas. Nas vidas que passaram por aquelas salas e nunca esqueceram do que sentiram ali. Tita não sorriu na hora da foto, disse que não gosta de sorrir em retratos. Mas, durante a entrevista, sorriu muitas vezes. E o mais bonito é que esses sorrisos não ficaram presos em fotografia. Ficaram na memória, no som, na imagem em movimento. Ficaram no filme. E, com certeza, ficarão comigo.


Dara Oliver 


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