Manual da AD com TDAH: como fazer uma OD sem chorar (muito)
- dara-2405
- há 6 dias
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Manual da AD com TDAH: como fazer uma OD sem chorar (muito)
Feito por Dara Oliver
Sumário
Introdução: quem sou eu e porque escrevi isso
Um devaneio antes da gente começar de fato
Cabeçalho da OD
Horários do set e tabela de elenco
A tabela principal da OD
Como distribuir a OD para a equipe
A relação com o diretor
O AD vê tudo (ou quase)
Como é ser AD com TDAH
Finalizando
Introdução
Oi! Eu sou a Dara Oliver, formada em Cinema e Audiovisual pela Unespar e atualmente mestranda em Film na Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte.
Fui diagnosticada com TDAH depois de já ter começado minha carreira como assistente de direção, o que me deixou bastante surpresa, já que sempre fui conhecida por ser super organizada (às vezes até meio sistemática). Então fiquei muito surpresa com o diagnóstico e até me bateu uma insegurança:
Como posso ser uma boa AD se me distraio fácil, tenho dificuldade de seguir instruções e esqueço tarefas com frequência?
Nesse momento, questionei tudo, o diagnóstico, minha trajetória e até se eu era realmente boa no que fazia.
Mas aí eu percebi que o meu jeito de trabalhar, cheio de códigos, planilhas coloridas e sistemas próprios, era, na verdade, a forma que encontrei de lidar com o TDAH sem saber que tinha TDAH. E agora eu penso que esse material pode ajudar outras pessoas também.
Foi assim que nasceu este Manual da AD com TDAH: como fazer uma OD sem chorar (muito), um material feito com muito carinho e vivência real, cheio de dicas, observações e estratégias para quem precisa colocar ordem no set mesmo quando a cabeça está no caos.
Se você é AD, tem TDAH (ou só gosta de uma planilha bem feita), espero que esse manual te ajude!
Se quiser trocar uma ideia, meu e-mail é dara-2405@outlook.com ou me chama lá no Insta: @daraoliver.
Um devaneio antes da gente começar de fato
Depois de todo esse questionamento do TDAH e ser sistemática, eu percebi que por conta dos meus grandes e frequentes devaneios (como está acontecendo exatamente agora), desenvolvi uma técnica para deixar minhas ordens do dia o mais organizadas possível. Inclusive, meu maior desafio foi "desorganizar" algumas coisas e deixar o acaso seguir seu rumo um pouco, porque (e aqui vai a primeira dica) não existe organização suficiente que te prepare para o caos de um set de filmagem, um caos que considero gostoso, mas caótico.
Não importa quantas reuniões você faça, quantos assistentes você tenha; coisas vão sair do planejamento. Claro, quanto mais pessoas e organização você tiver, melhor lidará com esses imprevistos. Mas evitá-los completamente, não sei se é possível. Pode ser que alguém tenha esquecido de te falar algo importante durante as reuniões, ou algum departamento tenha mudado a logística sem seu conhecimento. Ou ainda, o maior pesadelo de todo AD: um ator não pode mais participar, os figurantes faltaram, algum equipamento quebrou ou pode acontecer o menor e mais comum imprevisto de todos, com ou sem TDAH, você pode ter errado algo na hora de planejar (e tá tudo bem!).
Não pense que esse é um texto desmotivador, na verdade eu vejo ele como um grande bate-papo (ou desabafo?). Sinto que no meio cinematográfico brasileiro compartilhar informações é algo que ninguém faz muito, é como se quando você sabe mais que os outros você é o melhor, e passar conhecimento para uma pessoa pode te deixar para trás. Claro que eu reconheço que o mercado é extremamente competitivo e eu até estou buscando experiencias em outros paises para ver como os gringos lidam com isso, e vou até sem uma certa expectativa de que eles devem lidar de uma forma melhor que a gente.
Eu sei que muitas pessoas vão fazer um Ctrl V/Ctrl C na minha OD, e sendo bem sincera, teve momentos na minha vida em que isso me incomodaria muito, mas ao longo dos anos percebi três coisas. Primeira é que nesse tempo de internet ter algo muito exclusivo é bem difícil. A segunda coisa é que quando eu fui criando mais confiança sobre mim e o meu trabalho eu percebi que não é uma OD que vai definir se eu vou ter sucesso ou não na minha carreira, até porque eu acho que a parte mais difícil de ser assistente de direção não é a organização e planilhas, mas sim como se relacionar com o equipe no calor do momento de um set. A terceira coisa foi perceber como é difícil o acesso a informação dessas áreas mais específicas do cinema, e conhecimento e coisa boa devem ser compartilhadas.
Então, indo contra essa maré de “desinformação do seu colega é igual a mais oportunidades para você”, vem comigo que vou te explicar tim tim por tim tim como eu faço a minha Ordem do Dia tendo dificuldade em colocar ordem no meu Dia a Dia.
Um pequeno PS: organizo meu dia a dia com o Google Agenda, usando um sistema de cores e de estimativa quanto tempo gasto em cada tarefa (fica a dica).
Voltando à Ordem do Dia:
Vamos começar pelo cabeçalho...
Cabeçalho

1. Identificação do Projeto
Nome da produtora / estúdio / faculdade (em cima)
Título do projeto (logo abaixo)
Se não houver produtora/estúdio/faculdade envolvida (ex: projetos independentes), escreva: ➤ “Projeto Independente”
Obs.: Isso é mais uma firula, já que todos do projeto já sabem do que se trata. Mas pode te ajudar no futuro para
identificar ODs antigas e lembrar de qual projeto eram.
2. Principais Nomes da Equipe
Liste os cabeças de departamento, incluindo:
Direção
Produção
Seu nome como 1ª Assistente de Direção (AD)
3. Horários-Chave
Chamada → horário em que todos devem estar no set
Rodando → início da gravação
Fim → final do dia de filmagem
4. Retângulo Branco (Clima)
Reservado para:
Temperatura do dia
Probabilidade de chuva
Outras condições climáticas
Adicione essas informações no dia da impressão da OD, para que estejam atualizadas.
Dica: Evite imprimir a OD com muita antecedência. Imprevistos acontecem e você pode precisar refazer. Imprima no dia da filmagem ou no dia anterior, no máximo. Use ícones (sol, nuvens, chuva) para deixar o visual mais simpático.
5. Local de Gravação
Campo: "Local"
Insira o endereço completo de gravação
Se houver mais de um local:
Local 1: [endereço completo]
Local 2: [endereço completo]
Faça o mesmo para o hospital mais próximo
Importante: Esse cabeçalho é feito mais para você do que para os outros membros da equipe. Personalize ele de um jeito que funcione bem para a sua organização.
Horários e Tabelas de Elenco

1. Horários do Set
Chegada da equipe
Início da produção
Início das filmagens
Pausa (almoço/janta) ➤ A pausa deve acontecer após 6 horas de set
Início da desprodução
Previsão de término do set
2. Tabela de Elenco
A tabela deve conter as seguintes colunas (nessa ordem):
Personagem | Ator/Atriz | Cenas do dia | Horário de chegada | Horário de maquiagem | Observações |
Essa tabela é útil para você, para a produção e para o departamento de arte.
3. Uso da Tabela por Outros Departamentos
Produção:
Acompanha a logística de chegada dos atores
Atenção: os atores não costumam chegar todos ao mesmo tempo
Dica: deixe o ator o menor tempo possível parado no set (evite o famoso “de molho”)
Departamento de Arte:
Terá sua própria organização e planilhas, mas…
Vai querer conferir informações com você para alinhar figurino, maquiagem, objetos cênicos e etc.
É aqui que essa tabela se torna essencial para o cruzamento de dados
4. Grupo de Figurantes
Inclua também os figurantes nesta mesma tabela
Não precisa ser nome por nome, colocar por grupo já é o suficiente
Ex: Meninas no banheiro, crianças na quadra e etc…
A estrutura é a mesma: nome, horário, cena, observações
Isso ajuda toda a equipe a se organizar melhor com as participações do dia
A OD em si

1. Frase do dia
Sempre começo a OD com uma frase do dia.
Acho fofo
Gosto de escolher uma frase com base na obra ou pessoa que serviu de referência para o projeto.
2. Informações da Tabela Principal da OD
A tabela da OD contém as seguintes colunas (nessa ordem):
Hora | Cena/Plano | Dia/Noite | Int/Ext | Sinopse | Páginas do roteiro | Elenco (números) |
Hora: de que hora até que hora aquela ação vai durar
Cena/Plano: gosto de especificar qual cena e qual plano exatamente está sendo gravado
Dia/Noite e Interna/Externa
Sinopse: ➤ Tente ser o mais simples possível ➤ Tudo bem se for algo que só você entende (já explico o porquê)
Páginas do roteiro
Elenco: ➤ Uso números (em vez de nomes), baseados na tabela de elenco anterior ➤ Isso inclui atores e grupo de figurantes
3. Duração Total da Cena
Abaixo deste cabeçalho, coloco a duração total estimada da cena
Gosto de informar essa estimativa principalmente ao diretor, já que normalmente: ➤ O diretor não carrega uma OD ➤ Eu ou meu assistente ficamos ao lado dele guiando a logística
4. Duração por Plano (com flexibilidade)
Coloco também uma estimativa de duração de cada plano
Importante: ➤ Não se apegue emocionalmente demais ao tempo de cada plano ➤ O que deve ser firme é o tempo total da cena
Exemplo de raciocínio:
Cena tem que acabar às 16h
O PLANO 1 era para terminar às 14h30, mas terminou às 15h
Pense: ➤ O PLANO 2 é mais rápido ➤ O PLANO 3 é mais demorado
Então, fique em cima do PLANO 2 para ele sair rápido
Sabendo que o PLANO 3 vai demandar mais tempo
Assim, conseguimos terminar às 16h
Dica de comunicação com o diretor: Se ele perguntar quanto tempo ainda tem, responda de forma direta: “Temos mais 1 hora para os dois planos seguintes. ”Não entre em muitos detalhes de imediato. Avalie como o diretor lida com a informação.
Muita informação de uma vez pode sobrecarregar a equipe.
E se você tiver TDAH?
Toda essa estrutura, a frase do dia, a tabela com colunas bem definidas, a divisão clara do tempo total e dos tempos por plano, não é só uma questão de capricho. Para quem tem TDAH, criar padrões visuais e rotinas previsíveis é uma forma de não se perder no caos do set. A frase do dia pode parecer só um mimo, mas funciona como um ponto de ancoragem emocional.
A tabela da OD, por sua vez, é um mapa que ajuda seu cérebro a não se perder em estímulos demais.
Você não precisa controlar tudo, mas pode criar mecanismos para se manter presente, focada e gentil com seus próprios limites e com os outros. Organizar a OD é, também, organizar o seu espaço mental. E isso faz toda a diferença quando o mundo lá fora (e o set!) estão acelerados demais.
5. Distribuição da OD Detalhada
Essa OD toda detalhada (por plano) vai só para você e seus assistentes.
E isso é uma bênção pra quem tem TDAH.
Porque se tem uma coisa que consome nossa energia é o excesso de informação.
Os outros departamentos não precisam desses detalhes. Eles não vão decorar a minutagem de cada plano e vão perder a OD que você der para eles (então deixe umas coladas nas paredes por aí). E tá tudo bem.
O que passar pra equipe geral?
Versão simplificada da OD
Ordem das cenas
Horários de chegada, maquiagem, refeições
Intervalos técnicos
Observações gerais (tipo: cena com VFX, presença de criança, animal, figurante etc.)
Deixe a OD clara, mas leve. Não é pra entupir o grupo com informação que vai gerar mais dúvidas do que respostas.
Confie na organização dos outros departamentos
Você pode (e deve) acompanhar. Mas não tem que resolver tudo.
Figurino cuida do figurino.
Arte cuida da arte.
Som cuida do som.
Você cuida da logística geral e do fluxo de set.
Não assuma tudo sozinho. Pedir retorno/responsa de cada departamento é parte do seu trabalho, mas não é seu papel antecipar ou prever o universo inteiro.
Só entre em minutagem detalhada com:
✔ Foto ✔ Arte ✔ Som … e só se for realmente necessário.
Diretor? Só em último caso. Ele tem outras mil preocupações.
Outra dica:
Você não ganha pontos por saber tudo. Você ganha pontos por fazer o set funcionar. E isso exige: escuta, confiança e saber quando não se meter.
Se você, como eu, tem TDAH, sabe que:
É fácil entrar em hiperfoco e gastar 3h lapidando um PDF que ninguém vai ler inteiro.
É fácil querer controlar tudo, por insegurança.
E é muito comum achar que precisa compensar sua distração sendo perfeccionista.
Mas aqui vai um lembrete importante:
Você não precisa ser perfeito. Precisa ser funcional.
Fazer uma OD ultra detalhada é um ótimo apoio para você, não é obrigação de ninguém mais entender suas anotações internas. Dívida com a equipe só o que for útil pra eles. Evite sobrecarregar os outros com o que é parte do seu próprio processo.
Quando você compartilha informação demais:
As pessoas se confundem.
Te perguntam ainda mais.
E isso volta pra você em forma de mais sobrecarga.
Ou seja: você gasta tempo, energia, e ainda piora sua ansiedade.
Simplificar não é ser relaxado, é ser estratégico.
6. Relação com o Diretor
Já dirigi 4 projetos, então sei como um diretor se sente.
Uma frase que sempre digo:
"O diretor dita o set."
O que isso significa? Se o diretor estiver sobrecarregado, toda a equipe sente isso. A vibe do diretor contamina o clima do set, pro bem ou pro caos.
E quando você tem TDAH, isso ganha uma camada a mais: É muito fácil se deixar levar pela energia do ambiente. Se o diretor está ansioso, nervoso ou perdido, você absorve. Se não estiver atento, você começa a ficar ansioso, agressivo e perdido também.
Por isso, filtrar o excesso de informação não é só um cuidado com o diretor, é um cuidado com você também.
Claro que o diretor é um adulto crescido, mas:
Se faz terapia ou não
Se sabe ou não lidar com pressão
➤ Está fora do seu controle
O que está no seu controle é filtrar o excesso de informação.
Até o diretor mais calmo pode surtar se for bombardeado de detalhezinhos que não importam naquele momento.
Seja o filtro. Não é esconder informação, é organizar a bagunça antes que ela chegue nele.
Tem um perrengue no almoço? Segura com a produção.
O figurino rasgou? Aciona quem pode resolver e avisa o diretor depois que tiver uma solução.
O plano precisa mudar por luz? Primeiro crie opções com a foto e depois joga no ouvido do diretor com calma, ofereça as opções e respire.
Menos estresse no diretor → planos mais rápidos → melhor fluxo de set.
Além disso:
Entenda como o seu diretor funciona: tem gente que precisa verbalizar, tem gente que precisa de silêncio.
Tenha escuta ativa. Às vezes o diretor só precisa de alguém que entenda o que ele está tentando fazer.
Como o TDAH entra nessa equação:
A gente já tem uma cabeça que funciona com 27 abas abertas e 13 notificações piscando.
O último que precisa de uma bomba de informações emocionais é… você.
Então sim: calma.
Ouve o BO, respira, processa.
Organize antes de repassar.
Entrega uma versão digerível da realidade.
Isso te protege de entrar em colapso junto com o diretor e ainda ajuda a manter o set funcional.
Regra de ouro pra quem tem TDAH: Se você for o mais calmo do set, tá tudo sob controle.
E tem mais:
Diretores TAMBÉM podem ter TDAH, ansiedade, ou estar exaustos.
Você não vai resolver a vida deles, mas pode:
Criar um ambiente de segurança.
Ser a ponte entre o caos e a ação.
Redirecionar foco quando ele fugir (“Esse plano serve pra quê mesmo?”).
O AD não é sombra do diretor, é um guarda-chuva emocional e prático. Quanto mais segurança você passa, mais liberdade criativa o diretor tem. Se você se organiza e regula sua energia, o set inteiro agradece (e o seu TDAH também).
7. O AD vê tudo
Você tem que ter noção mínima do que está acontecendo em todos os departamentos.
Durante minha graduação, fiz um pouco de tudo para:
Ter experiência geral
Entender os perrengues de cada função
Aprender a me comunicar melhor com cada equipe
Saber o que pode ou não atrasar uma diária
O set é intenso pra todo mundo. Cada departamento tem seus próprios desafios, e quanto mais você souber sobre eles, melhor vai conseguir prever pepinos e resolver tretas antes que virem tragédia.
Agora, junta isso com TDAH:
Quando você tem TDAH, a tendência é focar DEMAIS em uma coisa e esquecer o resto.
Se você se afunda num problema da arte, pode esquecer que o som já tá na porta esperando silêncio. Ou se prende nos atrasos da produção e esquece de checar se a luz tá pronta pro plano. O hiperfoco pode te fazer parecer ausente do resto do set.
Por isso, conhecer bem os departamentos funciona como bússola.
Você não precisa ser expert em câmera ou saber operar o boom, mas precisa entender:
Quanto tempo, mais ou menos, leva pra montar uma luz
Que figurino precisa de prova e ajustes antes do dia de set
Que a arte sempre tá correndo porque tudo depende dela estar pronta antes da câmera
Que maquiagem precisa de tempo e concentração
Que som direto não faz milagre com gente gritando atrás da câmera
Que a produção tem 30 mensagens não lidas e ainda tá resolvendo almoço
A função do AD é fazer tudo isso conversar sem virar gritaria.
Ser respeitoso com as demandas alheias faz com que respeitem a sua também.
O TDAH pode fazer você sentir que está sempre perdendo alguma coisa.
E tá tudo bem.
A função do AD não é controlar tudo, é fazer os departamentos conversarem. Com respeito, com clareza, e com organização mental o suficiente para não transformar o set em caos.
Se você tem TDAH, a escuta ativa é sua melhor aliada. Em vez de tentar lembrar tudo sozinho, ouça mais. Pergunte. Esteja presente. Crie referências reais: vá num dia de montagem com a arte, ouça o que o som precisa, converse com maquiagem.
Isso tudo vira mapa mental. E quanto mais mapas você tiver, menos o TDAH te deixa perdido.
Spoiler: o set sempre vai te apertar. Mas se você treinar sua atenção com empatia, curiosidade e prática, o TDAH vira ferramenta, não obstáculo.
8. O Perfil Ideal do AD (na minha opinião)
Uma mistura de:
Sangue de barata
Empatia de psicóloga
O set é maravilhoso, mas tem estresse e adrenalina o tempo todo.
Lidar com uma forma prática e empática é a chave para menos dor de cabeça para todos.
Tem que ser a encarnação do Buda para ser AD?
Não, mas é interessante você avaliar como você lida com situações de pressão onde você deve tomar decisões rápidas e assertivas, sendo responsável pela logística de um projeto e equipe onde, normalmente, tem bastante dinheiro envolvido.
Durante a pré é bem mais tranquilo, você tem tempo para organizar tudo e corrigir erros, no set de filmagem é a prova de fogo de tudo que você fez, de como você lida com os acertos, mas também com os erros, tanto seus como do resto da equipe:
Erro do 1º Assistente de Direção (você):
Planejamento furado - Você teve que mudar a OD de última hora e estava com dor de cabeça quando fez isso, então:
Você calculou mal o tempo de filmagem de uma cena complexa, achando que daria pra gravar em 2 horas, mas na real levou o dobro. Resultado: o set atrasou, o clima ficou tenso e o dia terminou sem concluir o cronograma.
E agora?
Por dentro ficaria arrasada e provavelmente levaria esse momento na minha próxima sessão de terapia. Mas na hora eu recalcularia o dia ali mesmo com a equipe, tirando uma cena menos importante, se necessário, e tentaria encaixar ou adaptar ela em outra diária. E à noite, provavelmente atualizaria o manual com “mais uma lição aprendida na marra”.
2. Erro do 2º Assistente de Direção:
Elenco sem chamada - O departamento da produção está sobrecarregado e pediu a sua ajuda com os atores coadjuvantes, como você também está sobrecarregado você delegou para o seu 2º AD, mas essa é a primeira vez que ele lida com essa responsabilidade, então:
Ele esqueceu de avisar um ator coadjuvante sobre o horário de chegada. A equipe inteira está pronta pra gravar… e o ator ainda em casa de pijama, achando que era só no dia seguinte.
E agora?
Tentaria não ficar muito brava com o 2º AD já que foi eu que deleguei esse trabalho para ele, provavelmente sentaria com ele depois e daria umas dicas para isso não acontecer mais. Sobre o problema em si, eu mandaria mensagem fingindo calma (para que você surta se já vai estar todo mundo surtando?), tipo “Oiê, tudo bem? Só confirmando sua chamada para hoje às 10h”, junto com a produção acharia um jeito mais rápido possível de alguém ir buscar ele, também conversaria com o diretor e foto de como podemos adiantar aquela cena, se podemos fazer alguns planos sem ele, mesmo que isso signifique adaptar a decupagem (enquanto internamente eu estaria gritando por todo esse processo). Depois disso, revisaria TODAS as chamadas do dia e adicionaria mais um post-it no planner com “confirmar com elenco 24h antes”.
3. Erro do Diretor:
Indecisão eterna - Desde a pré o diretor está inseguro com essa cena, não gostou de nenhuma alternativa que ele criou, mas você jurava que agora ele estava de boa, mas:
O diretor começa a mudar o plano de filmagem em cima da hora, quer testar coisas novas no set sem avisar ninguém antes, e cada plano leva uma eternidade pra acontecer. A equipe começa a ficar desmotivada e a logística vai por água abaixo.
E agora?
Iria até o diretor com um sorriso tipo “Vamos alinhar só um pouquinho?” e tentaria encontrar uma solução viável sem explodir o cronograma. E faria algo tipo educação positiva: Você quer filmar o plano 2 ou experimentar um plano novo?
4. Erro da Produção:
Van errada, lugar errado - Essa é a primeira vez que o assistente de produção fica encarregado pela logística de transporte, ele está muito inseguro e acaba comendo bronha, então:
A produção mandou a van para o local de gravação anterior (ou até para outro estado, sim, acontece!). Metade da equipe atrasou, equipamento chegou fora de hora, e o set virou um caos antes mesmo de começar.
E agora?
Respiraria fundo, abriria o WhatsApp, e começaria o modo bombeira de set: “onde vocês estão?”, “alguém com carro disponível?”, “dá pra começar algo enquanto isso?”. Tentaria adiantar o máximo possível de possibilidades, caso não desse, aceitaria o caos, tentaria prever algumas opções de logísticas mas sem me apegar muito a elas porque eu não sei quando a van chega e na hora que chegasse tudo eu ia efetivamente pensar em alguma logística (o mais rápido possível e me baseando nas previsões que fiz) e colocaria ela em prática.
5. Erro de um Ator:
Texto? Que texto? - Esse ator não está acostumado com a rotina de set de filmagem, ele já apresentou inseguranças e algumas dificuldades de decorar um texto de uma forma não-linear, então:
O ator chega no set sem ter decorado a cena do dia. Pede para ensaiar 15 minutinhos antes de gravar, mas acaba levando quase uma hora, e ainda quer mudar falas no meio da filmagem.
E agora?
Deixa para bater a cabeça na parede quando chegar em casa, na hora eu ofereceria um café/chá/água para ele, o ajudaria a passar o texto rapidinho e reorganizaria a ordem das cenas para ganhar tempo. Além de falar com o diretor e foto para ver o que mais podemos adaptar para a cena ficar boa e o ator conseguir falar suas falas.
6. Erro da Figuração:
Sumiram - Vocês vão gravar em uma cidade muito pequena que não tem empresa de figuração, então você vai pedindo para pessoas meio aleatórias se elas querem fazer figuração, na hora todo mundo topou e fica super animado, mas:
Dos 10 figurantes para uma cena de multidão, só apareceram 3. Sem aviso, sem desculpa. Cena comprometida, câmera improvisando e a pobre da AD quase tendo um treco.
E agora?
Chamaria a equipe de arte, perguntaria se os técnicos ou qualquer outra pessoa da equipe topam dar uma de ator e faria o que der com o que tem, em último caso até me colocaria para fazer parte da figuração. Também conversaria com a foto e direção para tentar adaptar o plano para parecer que tem mais gente na cena. Depois pensaria: “vou escrever uma nota no manual: nunca confie 100% na figuração. Leve sempre plano B. E C. E D.”
Todos esses erros podem acontecer, lembre que a equipe é formada por humanos (pelo menos por enquanto), então lidar com erros faz parte da função de ser AD.
E o TDAH nesse caos todo?
Se você tem TDAH, talvez tenha lido esse bloco de situações e pensado: “ferrou”. Ou talvez tenha se identificado com a adrenalina, os imprevistos e o fato de lidar com dez coisas ao mesmo tempo. A verdade é: o set de filmagem pode ser um ambiente desafiador para quem tem TDAH, mas também pode ser um lugar onde certas características neurodivergentes viram potência.
Pontos fortes que podem virar aliados no set:
Pensamento rápido e criativo para resolver problemas na hora
Capacidade de improvisar com os recursos disponíveis
Alta energia e resistência física/mental (sob adrenalina)
Sensibilidade e empatia para lidar com erros dos outros (e os seus também)
Mas atenção: o excesso de estímulos, barulho, pressão por decisões rápidas e falta de previsibilidade também podem ativar gatilhos de ansiedade, desorganização e paralisia decisória, sintomas comuns em quem tem TDAH, fazer terapia e reconhecer os seus limites também é importante na hora de escolher uma área no set de filmagem.
O que pode ajudar na prática:
Manualizar os processos e criar checklists para as etapas-chave (como "confirmar elenco 24h antes")
Delegar tarefas com clareza e supervisionar com gentileza
Usar sistemas visuais (post-its, planners, quadros) para se organizar
Aceitar que o erro vai acontecer, e que você vai aprender com ele
Ter um plano B (e C e D) para tudo
E principalmente: praticar a tal da “empatia de psicóloga” com você mesma
Ser AD com TDAH não significa ser desorganizado, irresponsável ou incapaz. Significa encontrar jeitos de lidar com seu funcionamento e montar uma estrutura que ajude você a florescer mesmo (e especialmente) no caos.
Finalizando...
Se você chegou até aqui, parabéns! Ou você é AD, ou tem TDAH, ou está tentando fazer uma OD... ou tudo isso junto, e se for, te abraço com força!
Esse manual não é definitivo, não tem fórmula mágica e nem pretende ser o mais técnico do mundo. Ele é só uma troca honesta de quem já passou por perrengue, já chorou escondido no banheiro do set, mas também já riu vendo tudo dar certo, mesmo depois de tanto caos.
Ser AD com TDAH é entender que perfeição não existe, mas preparo e empatia salvam o dia. E que uma boa OD não resolve tudo, mas já é meio caminho andado (e talvez o único caminho que a gente tem em alguns dias).
Espero que esse material te ajude, nem que seja pra você pensar: “ok, não sou só eu.”
Com carinho,
Dara Oliver
AD com TDAH, e (quase sempre) com a OD em dia
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